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O Esquecido Templo de Salomão

O tema do “templo de Salomão” na Maçonaria é uma pedra-de-toque(1) tão formidável que James Anderson e Albert Mackey não hesitaram em incluí-lo como inamovível e inquestionável parâmetro do culto maçônico(2).

Mackey dá status de Landmark à lenda do construtor do templo, essência e identidade da Maçonaria, alertando que qualquer rito que a excluísse ou alterasse, deixaria de ser um rito maçônico. Da codificação landmarkiana resulta a obrigação de a Ordem fundar uma ciência especulativa segundo os relatos bíblicos daquele templo ancestral.

Anderson teria ido muito além da realidade histórica ao afirmar que a Arte Real “foi oriunda da Grécia, cujos habitantes não deixaram nenhuma evidência de melhorias em alvenaria, antes do templo de Salomão”. E acrescentava: “as melhores estruturas de Tiro e de Sidom não podem ser comparadas com o eterno templo em Jerusalém, construído, para grande espanto do mundo, no curto espaço de sete anos e seis meses, sob direção divina e sem o ruído de ferramentas, embora tenham sido empregados 3.600 mestres, 80.000 cortadores de pedra e outros 70.000 trabalhadores de todo tipo, obra administrada pelo mais sábio homem e mais glorioso rei de Israel, o príncipe da paz e da arquitetura, Salomão, filho de David”.
Realidade ou lenda? Verdade, fantasia ou símbolo? Filosofia iniciática ou religião?

(Antes de prosseguirmos, e para evitar polêmicas inúteis, Salomão sucedeu a seu pai David e teria reinado do ano 970 a 930 antes de Cristo. A ilustração anexada ao presente texto é imaginária e apenas evocativa dos ideais religiosos do povo hebreu. Não importa ao texto se o artista que elaborou a figura tinha em mente o templo de Salomão ou o de Herodes (que, afinal de contas, são as expressões arquitetônicas simbólicas de uma única e mesma coisa), nem se as colunas estavam dentro ou fora do templo. Esses temas serão tratados numa outra ocasião e de acordo com as pesquisas de Alex Horne no extraordinário tratado sobre o templo de Salomão editado pela Loja Quatuor Coronati de Londres, intitulado “O TEMPLO DO REI SALOMÃO NA TRADIÇÃO MAÇÔNICA”, publicado no Brasil pela Editora Pensamento.)

De qualquer forma, a história contida na Bíblia judaico-cristã – e tornada obrigatória na Maçonaria moderna – não deixa espaço para os preceitos ditos universais e adotados pela Maçonaria: de que não somos uma religião, não professamos um culto, que cultivamos a tolerância e a igualdade, pelo respeito à religião de cada um, segundo as inspirações da consciência individual.

No aperfeiçoamento individual – e é este o objetivo da Maçonaria – deve haver o equilíbrio que diferencie o pensamento do homem adulto de uma criança. E já que estamos em terreno bíblico, julgo recomendável a leitura do apóstolo Paulo:

“… porque qualquer pessoa que ainda se alimenta de leite não é conhecedor da palavra de justiça, porque é menino. Mas o alimento sólido é reservado para os perfeitos, os que têm os sentidos exercitados para discernirem tanto o bem como o mal.” (Hebreus 5:13, 14); …”quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino; mas logo que me tornei homem, rejeitei o que era próprio de criança” (1 Coríntios 13:11).

A inclusão da história simbólica do templo de Salomão, se observados tais entraves, retrata uma outra classe de evolução. O ponto de partida proposto nesta análise são as loucuras e a perda da memória que precederam a construção do templo. E (por que não?) os conceitos desarrazoados daqueles que, dominados pelas emoções, abandonaram no esquecimento o autêntico “Templo de Salomão”.

O primeiro rei dos judeus foi Saul, apesar da oposição por parte de Samuel desde que Yhwh deveria ser o único rei de Israel. Saul, embora homem de capacidade comprovada, não passou no teste que Yhwh lhe impusera e deixou seu povo em constante estado da guerra. Além disso, Saul sofreu momentos de loucura (I Samuel 22:5-23:14) e começou a perder a memória. Esteve prestes a matar um sacerdote, atentando ainda contra todos os demais e suas famílias. A cura veio de um pastorzinho chamado Davi que, tocando a harpa e cantando para o rei, conseguiu acalmar-lhe o espírito atribulado.

Penso que Davi deve ter sido o primeiro musicoterapeuta da história pois, a partir daquela cantoria, Saul foi curado(3).

A partir de então, bafejado pela sorte e bajulado pela corte, Davi deixou o pastoreio e a música de lado para tocar em frente um projeto mais interessante: tornar-se rei. Os arranjos políticos de Davi com a “ala governista” foi tão bem costurado que acabaram por convencer Samuel a ungi-lo no trono de Israel: “Então Samuel tomou o azeite e ungiu-o no meio de seus irmãos; e desde aquele dia em diante o Espírito de Yhwh se apoderou de Davi” (1 Samuel 16:13).

O ADULTÉRIO CASTIGADO

Mesmo o Espírito de Yhwh tendo se apoderado de Davi, diz a Bíblia que ele pecou ao ser tomado de desejo por Betsabéia, esposa do valoroso soldado heteu, Urias. Um rei tudo pode: Davi consumou a luxuria e engravidou Betsabéia. Para dissimular o adultério, destacou Urias, o marido traído, para um dos locais mais perigosos no front de guerra. Urias foi morto em combate. Tranquilo da vida, Davi compôs alguns Salmos e desposou Betsabéia. O filho que tiveram, morreu ao nascer. Vendo aquilo, o profeta Nathan interpretou como castigo de Yhwh e disse a Davi: “Por que desprezaste a lei, fazendo o mal? Feriste Urias a espada e tomaste a mulher dele por mulher?” Davi aterrorizou-se: lavou-se e se perfumou; mudou de roupas, entrou no tabernáculo, e adorou… e à noite consolou Betsabéia. E deitou-se de novo com ela. “E Betsabéia deu à luz um filho de nome Salomão” (II Samuel, capítulo 12).

Narrativas orientais como essas das Bíblia ou as profanas “Mil e Uma Noites”, trazem fatos tangenciais aos preceitos religiosos que, por sua natureza e contrárias aos costumes do nosso tempo, são capazes de arrepiar os mais tolerantes dos cristãos.

A história continua, digna de uma Xeherazade(4) :

Transferida para o jovem Salomão a tarefa de construir o templo, Davi envelheceu em paz com a consciência. Recolheu-se à tenda real e os dias passaram. Entretanto, o frio da idade o importunava. Cobriam-no com muitas roupas e peles, porém ele não se aquecia. (1 Reis 1:1-4). Então buscaram para o rei uma moça virgem e formosa, de nome Abisague, para estar perante o rei, cuidar dele dormindo junto ao seu corpo, para o aquecer. Os cronistas mais recatados (1 Reis 1:4) cuidaram de fazer a ressalva: “era a moça sobremaneira formosa… porém o rei não a conheceu” (5).

Apesar de todos esses cuidados, Davi morreu (970 a.C.). Salomão se assentou no trono e o reino prosperou. Veio então Adonias, meio-irmão de Salomão, pedir para ele a linda Abisague, aquela que apenas aquecera o rei Davi. Betsabéia, mãe de Salomão, foi levar o recado:

“Teu meio-irmão Adonias quer Abisague por mulher”.

Salomão indignou-se e jurou por Yhwh, sentenciando que Adonias falara contra a própria vida:

“Hoje Adonias morrerá!” – e enviou-lhe a morte pelas mãos de Benaia que o matou.

A SABEDORIA RECOMPENSADA

A tradição conta que Yhwh apareceu a Salomão e disse:

“Peça-me o que quiser, e eu darei a você”.

Salomão respondeu:

“Dá, pois, ao teu servo um coração cheio de discernimento para governar o povo, e capaz de distinguir entre o bem e o mal.”

E Yhwh respondeu:

“Já que você pediu isso, e não uma vida longa nem riqueza, nem a morte dos seus inimigos, mas discernimento para ministrar a justiça, darei a você um coração sábio e muito mais. Prolongarei sua vida com riquezas e fama, de forma que não haverá rei igual durante toda a sua vida. (I Reis: 3).

Assim, Salomão ficou conhecido por sua sabedoria. O período de seu reinado foi o único calmo na história dos filhos de Israel. Foi a esse filho de Davi com Betsabéia que Yhwh incumbiu de administrar seu povo com sabedoria e justiça e levantar um templo – o hoje esquecido e profanado “Templo de Salomão”.

De acordo com a tradição, o templo começou a ser construído no segundo mês do ano 480 depois da saída de Israel do Egito. Salomão tinha vastos conhecimentos e mesmo assim precisou da ajuda de alguém que possuísse “técnica” e “prática”, um “expert” na arte da construção e na “elaboração de um projeto” (permitam-me usar esses termos, necessários porque os Graus Simbólicos exigem a diferenciação dessas capacidades). Recorreu Salomão ao rei de Tiro na busca de um artesão capaz de lidar com a variedade dos materiais terrestres; um “mago” ou representante das forças da vontade como meio de transformação. Este foi Hiram Abiff – fenício da tribo judaica de Neftali(6). Textos apócrifos nos informam que Hiram era “iniciado nos mistérios da fênix”, ave imaginária que representa a superação da morte pela ressurreição(7).

No entanto, a lenda que conhecemos sobre o templo de Salomão e seu construtor Hiram Abiff não está escrita na Bíblia. Foi inventada e acrescentada aos cânones iniciáticos muitos séculos mais tarde. Esse Hiram é citado apenas de passagem na Bíblia, como sendo filho daquela mulher viúva. O nome Abiff (Aleph, Beth, Iod e Vav) foi acrescentado pelos maçons cabalistas do século XVIII. A lenda maçônica, conforme nos informa Robert Ambelain(8), foi inspirada em rituais egípcios pelo mago e ocultista polonês Jacob Haim-Samuel, cognominado Falk-Schek, que convenceu os ingleses e franceses do século XVIII a substituírem a lenda original que versava sobre Noé (os Noaquitas) pela figura do construtor fenício.

Para os que estudam seriamente o martinismo de Willermoz, a informação sobre esse homem versado na cabala, conhecido pelo nome de Falk Schek (1710-1782), não será novidade. Foi “instrutor” de maçons ilustres e altos iniciados martinistas. Na verdade ele fora rabino antes de se envolver com magia. Alguns lhe atribuíam o título de “rei dos judeus”, uma espécie de “príncipe do exílio” naquela época. A franco-maçonaria e o martinismo modernos deve a ele numerosos detalhes de seus rituais, sem saberem os “bem-pensantes” que se tratava, na realidade, de um necromante.

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(1) Pedra-de-toque é um material usado para testar ligas de metais preciosos sobre cuja superfície se fazem dois traços: um do metal que se quer testar e outro, com uma amostra padrão de composição conhecida. Em algumas modalidades, esses traços são submetidos a ácidos que produzem reações típicas, dependendo da liga.

(2) Digo “culto” sem medo de constranger os Irmãos, pois o que era, em suas remotas origens, o bíblico templo de Salomão senão um local de culto a YHWH?

(3) Vale anotar que o uso da música erudita (especialmente as composições de Bach e Mozart) têm surtido benéficos efeitos para as pessoas atacadas pela perda progressiva da memória e outras enfermidades. Recomendo a leitura do “Journal of The Royal Society Medicine” sobre “The Mozart Effect” no link http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC1281386/ , assim como o estudo e gravações de Don Campbell, autor do livro traduzido em português com o título “O Efeito Mozart”, pela editora ROCCO.

(4) Xeherazade é uma lendária rainha persa, narradora dos contos de “As Mil e Uma Noites”. Condenada à morte pelo Sultão, ela o enfeitiçou durante mil e uma noites com uma história sem fim. Não querendo perder o desfecho das narrativas, o Sultão procrastinava sempre a execução da pena.

(5) “Conhecer”, no contexto da Bíblia, significa ‘manter relações sexuais; experimentar’.

(6) Neftali era filho de Jacó com de Bila, serva de Raquel, indício de que Hiram poderia ser um pretendente bastardo ao trono de Israel. Mas esse assunto também fica para outra ocasião.

(7) Tema rechaçado e repulsivo aos olhos das igrejas cristãs que se baseiam na fé de que Jesus é o primogênito dos mortos e o único vencedor da morte. Fico imaginando quantos sapos o pastor presbiteriano James Anderson e os jesuítas amigos de Ramsay tiveram que engolir para construir a maçonaria moderna.

(8) Ambelain, Robert – La Franc maçonnerie oubliée, Robert Laffont, Paris, 1985.

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