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O DISCURSO DE SCHRÖDER

“No texto “O Discurso de Schröder” publicado no JB News nr. 1780, em 15/08/2015, recebido por repasse, deixou de constar que a tradução e os comentários são de autoria do Ir. Ricardo Vidal, o que fazemos agora, nesta republicação. ”
Boa noite meu prezado irmão Jerônimo
Foi publicada recentemente no No. 1780 do prestigioso jornal eletrônico JB News matéria intitulada “O Discurso de Schröder” (páginas 18-21), desacompanhada do nome de quem a traduziu, no caso eu.
Esse e outros textos de minha autoria vêm sendo reproduzidos indevidamente em sites e revistas maçônicas muitas vezes assinados por irmãos que sequer manejam o idioma português, quanto mais o alemão!
O referido discurso foi publicado pela primeira vez em 2005 pela revista “A Trolha”, conforme cópia que segue anexa. Ele foi digitado a partir de um rascunho que apresentei em loja por um irmão que depois o remeteu ao saudoso Xico Trolha, contendo uma série de erros de português que eu pretendia retificar em momento oportuno. Note no final do mesmo a presença do meu nome.
Eu peço encarecidamente ao ilustre irmão que publique nota contendo essa minha observação na próxima edição do JB News e antecipo os meus agradecimentos.
TFA
Ricardo Vidal

Vossa escolha, meus respeitáveis irmãos, ao me confiar o malhete desta loja, mais uma vez me honra. Nada mais lisonjeiro do que gozar da confiança de homens livres, que sacrificam voluntariamente parte do seu tempo em prol do presente evento! Contudo, permaneço indeciso. Eu previ que o descontentamento de alguns irmãos contagiaria outros. Eu pressagiei que o clima de união e de concórdia, que reinou durante aquele um ano e meio em que eu tive a honra de conduzir o malhete desta oficina haveria de chegar ao fim (1). Sendo assim, nada mais me resta a fazer do que tentar contribuir para o restabelecimento da harmonia que outrora aqui havia. Para a realização deste objetivo, peço-vos que analisem meus conceitos sobre a Franco-maçonaria e submeta-os à prova.
Com profunda convicção considero a Franco-maçonaria uma irmandade verdadeira e benemérita. Com mais convicção ainda creio que ela encerra coisas que na época do seu surgimento exigiam um véu misterioso, às vezes símbolos perdidos, os quais com o passar dos anos sofreram modificações.
A Franco-maçonaria, com sua moral pura, primorosa, voltada às grandes finalidades; ela, que possui todas as virtudes para tornar o homem melhor; ela, inimiga declarada de todos os preconceitos; ela, que derrubou as barreiras divisórias existentes entre os homens impostas pelas religiões, pelas pátrias e pela posição social; ela, que unificou homens de todas as nações como verdadeiros irmãos; ela, quem primeiro ensinou a todos a virtude da tolerância; pode ela ser uma obra de hierarquia? (2); podem os seus costumes serem uma farsa? Ela não merece ser despida de seus compromissos solenes, a pretexto de sua conservação e propagação (3).
Por estes motivos não posso permanecer indiferente quanto ao modo como a estão conduzindo. Em mais de uma palestra protestei contra o ato de admitir candidatos sem submetê-los ao escrutínio e às provas de admissão, como amiúde vem sendo feito; contra o fanatismo de qualquer natureza, tenha ele o nome de Rosacrucianismo, de Asiatismo ou de Africanismo (4); contra as eternas palavras de fraternidade que nunca se traduzem em fatos; contra trabalhos conduzidos em loja que afugentam homens sérios e causam tédio nos jovens. Eu tentei, até onde me foi possível, cumprir com o meu dever, conversar com os irmãos de forma instrutiva, entretê-los, sem deixar que caíssem no marasmo. Estou certo de que não errei e isto me enche de alegria.
Mas minha palavra, meu compromisso, minha convicção, impedem-me de dar aprovação a qualquer coisa que possa abalar os alicerces da Maçonaria. Daí o caso em questão ser demasiadamente estranho. Como é possível que irmãos maçons, os quais homenageio e considero de todo o coração, votem em um mestre que não deseja ser mestre, que afirma que irá destruir a Franco-maçonaria, visto que suprimir seus símbolos é o mesmo que destruí-la! (5).
É certo que a Franco-maçonaria em nosso país é diferente em relação a outros e, com respeito à épocas passadas, pode-se dizer que fraudes e aleivosias a deturparam. É lícito afirmar que ela necessita de algumas modificações, mas devemos por este motivo repudiá-la? É justo incorrermos em generalizações por causa de uma conclusão preconceituosa? É preciso que aqueles que consideram os símbolos da Maçonaria uma farsa nos convençam de sua inconsistência. Meditai meus Irmãos sobre os ensinamentos simples contidos no Grau de Aprendiz! Analisai os vários modos como são inculcados em nossas mentes a firmeza, a serenidade, a inteligência e a discrição. Notai a insistência com que os mesmos nos recomendam o aprimoramento intelectual e o estudo das ciências (6). Meditai sobre os importantes ensinamentos presentes nestes quadros! Podem eles estar fundados em uma farsa? E o estudo sobre a origem dos seus costumes e tradições, seria também ato indigno de um homem pensante?
Quem deseja suprimir ou modificar algo deve primeiro demonstrar que tem outra coisa melhor para colocar no lugar daquilo que pretende substituir ou abolir. Por acaso existe alguma virtude social que já não faça parte integrante dos ensinamentos da Franco-maçonaria? (7) Poderá alguém fornecer-nos algo de novo e de melhor? O que há de errado com os seus símbolos? A supressão dos seus símbolos e tradições visa atingir um objetivo de alcance maior, que consiste em substituir algo insubstituível, ou seja, a destruição de uma cadeia que une 1000 irmãos, uma cadeia à qual muitos devem o seu bem estar, a alegria de suas vidas e suas próprias vidas. Pode-se esperar que membros de uma sociedade como esta venham a se reconhecer mutuamente como irmãos? (8).
Eu tenho apreço por todo o objetivo que é nobre, mesmo que ele seja impraticável. Mas o cargo que o vosso voto me outorga força-me, com toda a sinceridade, a alertá-los sobre a impraticabilidade de algumas idéias e sobre certos inconvenientes que antevejo. Confesso francamente que nenhum interesse tenho pelos trabalhos que se pretende realizar, nesta ou em outra oficina qualquer. Possui alguma loja uma instituição de caridade? Será que não existe em outro lugar homem de cabeça com capacidade para conduzir o malhete e enobrecer o tempo dos irmãos? (9).
Os sábios Börne e Gemmingem (10) de Viena não precisaram abolir os símbolos e os rituais da Maçonaria para atuarem maravilhosamente nos corações e nas mentes dos irmãos de suas lojas. Por conseguinte, o problema da futilidade e do tédio dos trabalhos reside não na coisa em si, mas em quem os dirige. E quem é que elege o dirigente? (11). Meus Irmãos! Deixai que tradições como a das guildas dos artesãos percam o seu valor (12), deixai que a interpretação dos seus símbolos – responsáveis pela formação de uma grande cadeia de irmãos – tornem-se algo totalmente inútil para nós, e verão onde tudo irá terminar.
É preciso admitir a necessidade de uma reforma consciente. É preciso que orientemo-nos pelo sistema inglês, aquele da época em que os irmãos eram admitidos nas lojas por meio da palavra e da assinatura (sic). É preciso estarmos atentos quanto a presença de místicos, iluminados e outros sonhadores em nossas reuniões (13). Só assim poderemos realizar os verdadeiros objetivos da Maçonaria. No futuro darei uma explicação extensiva sobre a natureza e ação dos Iluminados (14).
Já vos descrevi meus Veneráveis Irmãos o que foi a Maçonaria, o que ela deve ser, e o que para nós ela realmente é. Estão os senhores em condições de condenar profanações feitas contra um ensinamento puro, qualquer que seja ele?
Acabar com tais abusos, eis nossa preocupação. Cumpramos estes grandes objetivos, morais e físicos, que se apresentam perante nossos olhos. Fixemos o montante de nossas economias e estipulemos o que de bom construir com elas. Meus Irmãos, trata-se de um objetivo que demanda rigoroso exame. Persistamos nele, firmes, resolutos! Caridade no sentido mais amplo é a característica, é o espírito da Franco-maçonaria. Disto resulta que bondade no coração seja a principal condição exigida de seus membros e a ação filantrópica o grande mérito a ser alcançado por nossa sociedade, tal como nos velhos tempos (15). Este espírito esteve presente em suas deliberações e em seus trabalhos desde tempos imemoriais; até mesmo em seus banquetes fraternais, onde irmãos hesitavam comer em abundância caso não tivessem contribuído para secar algumas lágrimas produzidas pela pobreza.
É verdade que a Franco-maçonaria colocou na cabeça os objetivos mais excêntricos, dividiu-se em várias seitas (16), porém nunca cessou de difundir – e sobretudo de praticar – a virtude da caridade. Trata-se de um mandamento fundamental da Ordem, cuja implementação cumpre que seja feita com toda determinação e sabedoria.
Meus caros Irmãos, espero ter explicado corretamente meus conceitos básicos sobre a Franco-maçonaria. Em resumo, é prudente precavermo-nos contra tais abusos e preocuparmo-nos com a formação do homem. É necessário ainda acrescentar o bem estar do ser humano à esta nobre finalidade. É preciso que cuidemos para que em nossa Constituição e em nossos rituais não hajam mudanças substanciais, muito menos supressões, para não comprometermos toda a Franco-maçonaria e os nossos solenes e voluntários compromissos. Que minhas palavras sejam abençoadas e que a harmonia e o amor fraternal reinem para sempre em nossas reuniões.
* Friedrich Ludwig Schröder, 03 de setembro de 1789.
NOTAS:
(1) Schröder exerceu na loja Emanuel o cargo de Venerável Mestre no período entre 1787-1799.
(2) Schröder afirma que a Maçonaria é uma “fraternidade”, nunca uma “ordem”. E em fraternidades não existem superiores hierárquicos, chefes ou subordinados, mandadores e mandados, mas sim pessoas que assumem compromissos de forma voluntária, em absoluta igualdade de condições.
(3) Depositados sobre os graus simbólicos, com o tempo os “altos graus” passaram a sobrepujá-los em importância. O resultado foi que, na visão de alguns, todos os graus, sem distinção, passaram a ser considerados uma farsa.
(4) Schröder está se referindo às ordens dos Arquitetos ou Construtores Africanos e dos Irmãos Asiáticos. A primeira foi fundada em 1756 em Berlim por C.F. Köppen (Waite, Enciclopedia Vol I, pag.9) e a segunda pelo Barão von Ecker und Eckhoff por volta 1756 (Waite, op. cit, Vol I, pag.393).Os rosacrucianos introduziram na Maçonaria um misticismo que jamais teve parentesco com ela, desfigurando-a completamente.
(5) Schröder está se referindo a Georg Heinrich Sieveking. Iniciado também na Loja Emanuel zur Maienblume em 1774, Sieveking propôs a supressão de todos os símbolos da Maçonaria, quando eleito Venerável Mestre da Loja Saint George, afirmando que os mesmos não passavam de uma farsa.
(6) O irmão de uma loja do Rito Schröder é estimulado a estudar a Maçonaria e os problemas da sociedade em que vive, para melhor poder trabalhar em sua construção e aprimoramento. Meia hora após os trabalhos normais é reservada para palestras ou exposição de trabalhos.
(7) Os graus simbólicos (1-2-3) são completos. Adendos, supressões e modificações ritualísticas geraram um caos sem precedentes na história da Maçonaria.
(8) Reflita o leitor maçom nesta sábia observação. Como seriam nossas reuniões no interior de uma sala despida dos símbolos que lembram nossos compromissos? Como seria nossa vida maçônica sem eles?
(9) Parece que não havia mesmo. Não é normal um homem, por melhores que sejam o seus atributos, permanecer no cargo de Venerável durante 12 anos consecutivos, ainda contra a sua vontade.
(10) Börne e Gemmingem. O Barão Otto Heinrich von Gemmingen (1755-1836) foi um pouco conhecido teatrólogo e escritor do Iluminismo. Em 1782 ele se muda para a Áustria e contribui para a difusão do Iluminismo no país. Ludwig Börne foi um famoso escritor e político alemão, também iluminista. Ambos eram membros da Ordem dos Iluminados da Baviera.
(11) Atenção Venerável Mestre, Schröder está falando com você!
(12) Era exatamente o que estava acontecendo com os graus simbólicos. Cavalos, espadas reluzentes e veneras de todo o gênero estavam substituindo o maço, o cinzel e o avental.
(13) Cavaleiros, místicos, visionários, charlatães, jesuítas, rosacruzes, alquimistas, escroques, todos contribuíram para deformar a Maçonaria.
(14) Os “Iluminados da Baviera” eram uma organização de cunho maçônico fundada por Adam Weishaupt, reitor da Universidade de Ingolstadt, que tinha ramificações em vários países e supostamente no Brasil.
(15) Afirmou certa vez Schröder: Se nossa fraternidade não é uma organização religiosa nem política só nos resta trabalhar em prol da humanidade.
(16) Nada menos do que 70 ritos compreendendo 300 graus de cavalaria. Algo simplesmente inimaginável, para não dizer absurdo e monstruoso.

 

Fonte: JB News

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