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O Contributo da Maçonaria para a Abolição da Escravatura – Parte II

A Elite dos bacharéis: maçonaria como espaço acadêmico

Se a maçonaria teve influência na corte e cooptava seus membros da elite do país, e sendo elite, porque a vontade da maçonaria, de libertar os escravos, não se fez prevalecer no governo para que a abolição fosse antecipada?

Para responder essa pergunta é preciso investigar o que é “elite”, quais os tipos, como ela é formada, e qual o poder de cada tipo, por fim, saber em qual tipo de elite a maçonaria se enquadrava. Partindo daí, indo mais além, como atuava essa elite maçônica, o que significava pertencer a esse tipo de sociabilidade?

Citando Adrius Estevam de Noronha que escreve:

O termo elite possui uma flexibilidade conceitual ampla, mas é utilizado majoritariamente em pesquisas para classificar setores que detém o poder político ou econômico. Além disso, o conceito nomeia estratos sociais vinculados à burocracia, ao conhecimento, à religião, sem mencionar os grupos estrategicamente organizados em sociedades secretas, como a maçonaria. [11]

Antes disso ele afirma:

De acordo com Duma[12] (2003, p. 101), os critérios tradicionais para caracterizar “elite” podem ser identificados por cinco pontos fundamentais: “o nível de fortuna, o peso da genealogia, as funções ocupadas, a questão da identidade de um grupo e a maneira pela qual ela vai se definir através de um culto da distinção e da aparência”.

Mais adiante no mesmo artigo ele faz uma tipificação do conceito de elite:

O conceito de elite apresenta, como se percebe, uma descrição bastante variável. Em todas as organizações sociais, as relações de poder fazem parte e uma complexa estrutura psicológica, cultural e social. E sempre haverá um setor que detém o mando ou coordena as ações de um determinado grupo. Portanto, em termos teóricos, é necessária uma tipificação do conceito de elite política, econômica, intelectual, sindical, agrária ou burocrática. 

Continua citando Weber[13] na sua tese em torno dos Três Tipos Puros de Dominação:

A partir da definição do “tipo ideal”, Weber caracteriza as três formas de dominação: a racional, a tradicional e a carismática. Estas três formas possuem a chamada “crença na legitimidade”, mecanismo que é incorporado ao direito e utilizado pela burocracia estatal. A dominação racional se consolida na esfera jurídica como poder incorporado pela sociedade. A dominação burocrática seria, tecnicamente, seu tipo mais puro, que pode ser modificado mediante um estatuto que sancione seu funcionamento e está centrado na disciplina do serviço. Esse processo será encontrado na estrutura moderna da empresa capitalista e no Estado Nacional, apesar de Weber afirmar que a burocracia não é o único tipo de dominação legal. 

Como a vertente dos freemasons e dos franc-maçonneries, que influenciaram a maçonaria luso-brasileira, sempre estive alinhada com o Iluminismo, vale citar, para que seja possível um melhor entendimento, o seguinte trecho do artigo de Adrius Estevam:

Já o pensamento de Hobbes acerca do Estado Moderno estabelece a ponte entre o Renascimento e o Iluminismo, representando mais um passo no processo de autonomização e laicização do Direito e do Estado. (…)
A elite política insere-se nas instituições do Estado e utiliza esse poder de força coercitiva para o exercício de sua dominação.(…) A racionalização do pensamento jurídico ganha corpo nas análises de Hobbes. Para Maltez
[14], o direito no sistema de Hobbes é identificado diretamente com o poder. Vale destacar que o impacto das ideias do Renascimento produz a teoria fundamental para o Estado Moderno e estrutura a forma de dominação da elite política neste Estado. 

Como se percebe, o enquadramento da maçonaria na tipificação do conceito de elite no Brasil é complexo. Isto porque a maçonaria foi elitista sim, mas uma fraternidade heterogênea: não se apresenta formada por uma elite política, mais que isso, tem em seus quadros, médicos e poetas; não formada por uma elite econômica, tem estudantes de direitos e jornalistas abolicionistas; não por uma elite intelectual somente, porque indubitavelmente também teve um importante papel político; e também não somente agrária ou burocrática.

E sobre complexidade o mesmo artigo de Adrius Estevam segue citando Gramsci[15], que formulou suas ideias no séc. XX:

De acordo com Gramsci, na medida em que a sociedade se torna complexa, fruto da modernização econômica e social, os atores políticos buscam se estruturar politicamente, através de movimentos minuciosamente calculados e estratégicos, dentro da sociedade civil, tendo como objetivo buscar apoio fornecido pela burocracia das instituições sociais. Nesse caso, os grupos jornalísticos, as burocracias das associações empresariais e dos centros culturais passam dos bastidores para o centro do palco na arena política.

Concluindo, até aqui, por ser heterogênea, a maçonaria acabou atuando em diversos estratos da complexa organização social brasileira. Por isso, atenta às transformações do seu tempo, atuou de maneira diversificada e coordenada, no intuito de garantir sua dominação racional, ou que pelo menos seus ideais liberais assim as tivesse garantida, se consolidando na esfera “jurídico-burocrática”, visto que, como citado acima, o direito e suas nuances, estão diretamente ligados ao poder. E correspondendo à Gramsci, ampliada a atuação dos maçons entre os grupos jornalísticos, nas burocracias das associações empresariais e dos centros culturais, ela passou dos bastidores para o centro do palco na arena política, mas tudo foi a seu tempo.

E de que maneira a maçonaria tratou de garantir sua Dominação Racional? De maneira influente e proeminente na criação das duas primeiras Academias de Direito do Brasil: a de Olinda e de São Paulo, que ficava no Largo de São Francisco.

Sobre isso, José Carlos de Araújo Almeida Filho, na sua dissertação de mestrado para a Universidade Gama Filho, na área de concentração Direito, Estado e Cidadania com o título O Ensino Jurídico, a Elite dos Bacharéis e a Maçonaria do Séc. XIX, já na introdução esclarece:

Durante a pesquisa realizada em torno da origem do Ensino Jurídico e da Maçonaria, identificamos uma sociedade secreta instalada na Faculdade de Direito de São Paulo – a primaz no Brasil, juntamente com a de Olinda –, denominada Burschenschaft, ou, simplesmente, Bucha, como ficou conhecida. A Burschenschaft alemã, inspiradora da Bucha, fora uma sociedade secreta estudantil com nítidos propósitos de abalar o poder.

A sociedade em questão nasceria poucos anos depois da instalação dos Cursos Jurídicos e foi de grande importância nos destinos políticos e jurídicos do Brasil. Afonso Arinos, citado pelo Prof. Alberto Venâncio, instiga-nos ao afirmar que “seria altamente interessante a pesquisa que comprovasse as ligações entre a Burschenschaft Paulista e o acesso aos mais altos postos políticos desde o Império”. Os mais altos postos políticos se mesclam, no ecletismo característico do Séc. XIX, com o Direito em todas as suas ramificações e áreas de atuação. 

(…)

Desta forma, duas elites são construídas (ou instaladas) no Brasil, e com uma ligação entre as mesmas – a maçônica e a dos bacharéis. A elite maçônica se constituiu pela acessão ao poder. E quem detinha o poder, até, pelo menos, o início do Séc. XX, eram os estudantes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco que, em sua grande maioria, faziam parte da Bucha.[16]

Esse trabalho de José Carlos possui quatro capítulos. No primeiro, trata de conceituar o que é a Maçonaria e os primeiros passos para a construção dos cursos de direito; o segundo debate a localização dos cursos de direito, as ideias de cientificismo nos cursos e a influência maçônica e da Bucha; no terceiro a Bucha, a inexistência de partidos políticos e a República; por fim a contribuição dos símbolos maçônicos e do positivismo na formação dos cursos de direito.

Então no primeiro capítulo do seu trabalho ele já expõe alguns resultados de sua pesquisa que liga os maçons à formação dos cursos de direito:

Com base na pesquisa destes autores, encontramos um elo entre Maçonaria, sociedades secretas e movimentos pelo poder. Nesta inserção histórica e política, analisar-se-á o porquê dos Cursos Jurídicos no Brasil terem sido criados logo após a Independência do Brasil e, ainda, a razão de se encontrarem em São Paulo e Olinda. Ainda hoje se afirma ser a escola paulista positivista.
Havia necessidade de manter o poder com intelectuais e bacharéis – e esta manutenção consistia na ideia de talhar profissionais para ocuparem os mais altos cargos do Império – razão pela qual no Séc. XIX surge a figura descrita pela Ciência Política como Elite dos Bacharéis. Contudo, à inexistência de qualquer curso no Brasil, os mais abastados poderiam estudar em Coimbra e, com isto, poucos eram os bacharéis da época. Com a instalação dos Cursos Jurídicos no Brasil, moldados pela Maçonaria da época e instalados longe da Corte, por fortes motivos políticos, inicia-se uma nova fase no pensamento brasileiro.
Bacharéis para poder sustentar o poder, com conhecimentos jurídicos. Contudo, de forte natureza racionalista, como a própria Maçonaria e, posteriormente, com o advento da República, de forte caráter comtiano.

Mas José Carlos bebe da fonte de Teotônio Simões[17], que também desenvolveu uma tese de doutoramento sobre Os Bacharéis na Política, onde também aponta a ligação dos maçons e da Bucha com os cursos de direito:

Cogitações à parte, o fato é que, após Waterloo (1815), surgiria na Alemanha uma outra Sociedade, a Burschenschaft, integrada, entre outros, por remanescentes dos Iluminados. Um dos integrantes desta Sociedade organizaria, em São Paulo, na Academia de Direito, a sociedade secreta do mesmo nome, e seus membros também fariam parte da Maçonaria. A ligação dos Iluminados com os futuros bacharéis em Direito do Brasil ainda se daria através de Coimbra, de Verney e de Pombal, indiretamente.

Também se apóia na tese de Wander Bastos[18], que igualmente afirma ter existido uma elite imperial forjada no seio da Maçonaria e que perduraria até a Proclamação da República.

José Carlos ainda insere um gráfico que aponta o elevado número de bacharéis na política, e o local de formação, se foi por Portugal, Brasil ou outro país:

grafico

Então desta forma estava justificada a criação dos Cursos Jurídicos em 1827, ipso facto, ora que produziu a Elite dos Bacharéis. Essa atuação tática se mostra coerente com os ideais burgueses, de garantia e estabilidade de seus cargos. E ainda nas palavras de José Carlos, “justifica-se a manutenção no poder, tendo em vista a garantia [grifo meu] jurídica calçada no direito posto”.

Em Portugal, e também no Brasil, havia as Sociedades Filantrópicas, que eram, na maioria das vezes, Lojas Maçônicas sob denominações diversas, por causa das perseguições da inquisição. Desse modo, concomitante com a Bucha, tendo membros como Padre Antonio Diogo Feijó, Antonio Mariano de Azevedo Marques, Antonio Carlos Nogueira, dentre outros, tinha assim como ela (a Bucha), missão de angariar fundos para a manutenção das brilhantes mentes, dar suporte a eles e captar essas brilhantes mentes de São Paulo para a Maçonaria, cingindo com a propagação da função social do advogado.

Citando José Castellani[20], podemos ver como o Curso de Direito, ora, se tornava uma extensão da maçonaria, pois seus personagens e as questões da época que os afligiam, eram os mesmos da Academia e da Ordem, lentes e alunos frequentavam os mesmos âmbitos:

Antônio Carlos – sobrinho de José Bonifácio de Andrada e Silva – Venerável Mestre (Presidente) da Loja América, era lente da Faculdade de Direito e Rui, seu aluno. Apesar disso, este, assumindo o cargo de Orador da Loja, entrava, muitas vezes, em choque com a opinião do mestre, em Loja, principalmente em torno do movimento pela abolição da escravatura no Brasil, expondo suas ideias e fundamentando a sua discordância, com absoluto destemor, apesar de se expor a represálias no âmbito da Faculdade. Felizmente, Antônio Carlos era um homem de grande equilíbrio e descortino e entendeu as razões do seu aluno, jamais levando assuntos de Loja para outros locais. 

A formação dos estudantes da Faculdade de Direito de São Paulo, também se dava extracurricularmente, através dos círculos de romantismo, com grande apego das ideias liberais. Havia uma educação informal nos corredores da Arcada, de ideais influenciados pela maçonaria. Maçonaria e Academia se confundiam em espaço social e espaço acadêmico. Onde uma começava? Onde outra terminava?

Longe de ser simples, essa confusão, proporcionou uma sociabilidade, pelas Lojas, que contribuiu para a construção e mobilização das diversas forças sociais, não somente um canal de propagação do ideário liberal, que era o mote dos estudantes de direito, mas como espaço de construção de uma cultura política marcada pela prática do debate, da representação, da elaboração de leis e da substituição do nascimento pelo mérito como fundamento. Enfim, a Maçonaria, nesse contexto, foi também um espaço acadêmico, contribuindo na educação de diversos líderes, que no objeto dessa monografia, vale citar, comporão a lista dos maiores abolicionistas da história do Brasil, e o que todos esses ilustres maçons tinham em comum? A Bucha e o Curso de Direito: Ruy Barbosa, Joaquim Nabuco, Eusébio de Queiroz, José do Patrocínio e Luiz Gama, dentre outros.

Continua…

Autor: Márcio Antonio Silva de Pontes

Notas

[11] – NORONHA, Adrius Estevam. Instituições e elite política de Santa Cruz do Sul no contexto de internacionalização da Economia Fumageira (1960-1970). 2006. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional). Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS, Rio Grande do Sul Brasil.

[12] – DUMA, Jean. Sobre as elites: abordagem historiográfica. Revista História. São Leopoldo: UNISINOS, v. 07, nº 08, p. 89 – 103, 2003.

[13] – WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução de Régis Barbosa, Elsabe Barbosa. 3ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2000.

[14] – MALTEZ, José Adelino. Princípios de Ciência Política: Introdução à Teoria Política. Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, 1996.

[15] – Antonio Gramsci (Ales, 22 de janeiro de 1891 — Roma, 27 de abril de 1937) foi um político, cientista político, comunista e antifascista italiano.

[16] – FILHO, José Carlos de Araújo Almeida. O Ensino Jurídico, a Elite dos Bacharéis e a Maçonaria do Séc. XIX. 2005. 180 fls. Dissertação (Mestrado área de concentração Direito, Estado e Cidadania). Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.

[17] – SIMOES, Teotonio. Os Bacharéis na Política – A Política dos Bacharéis.

[18] – BASTOS, Aurélio Wander. O Ensino Jurídico no Brasil. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2000.

[19] – FILHO, José Carlos de Araújo Almeida. O Ensino Jurídico, a Elite dos Bacharéis e a Maçonaria do Séc. XIX. 2005. 180 fls. Dissertação (Mestrado área de concentração Direito, Estado e Cidadania). Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro.

[20] – CASTELLANI, José. Piratininga – História da Loja Maçônica Tradição de São Paulo. São Paulo: OESP, 2000.

 


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