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DA SÉRIE: CURIOSIDADES MAÇÔNICAS ( I ) – PEDRO I – JORNALISTA

Assis Cintra
Os investigadores da História Pátria, que se deram ao trabalho de estudar os jornais e panfletos de há 100 anos, encontrarão interessantíssimos subsídios para a reconstrução de nossos fastos. Ainda há pouco tempo tinha eu em mão um folheto muito raro sobre a “Revolução de 7 de abril”, escrito por Bernardo Pereira de Vasconcelos. Impresso em 1831, oferecia elementos valiosíssimos que seriam capazes de remodelar o relato, até agora aceito como verdadeiro, sobre tão faustoso acontecimentos.
Documentado com “fac-simile” de cartas, é minucioso e verídico. Há pouco o Dr. Djalma Forjaz, nome quase desconhecido no Rio, mas que representa um historiógrafo admirável pelas suas qualidade raras de pesquisador consciencioso, em sucessivas conferências realizadas no Instituto Histórico de S. Paulo, demonstrou brilhantemente a ação decisiva do Senador Vergueiro no consolidamento de nossa Independência, colocando-o com documentação nova e autêntica, no seu justo lugar, acima de feijó e Evaristo da Veiga.
No arquivo precioso e na biblioteca do Dr. Gabriel Ribeiro dos Santos, brilhantíssimo espírito que honra S. Paulo e o Brasil, eu e Oliveira Lima fomos encontrar coisas interessantíssimas que nós ambos desconhecíamos.
O ilustre patrício, que foi nosso ministro em Londres, ao dar com a vista em precioso documento, alegre e alvissareiro, dizia aos circunstantes que, para “aquilo” seria capaz de sacudir as suas quatro arrobas de gordura, numa desembalada carreira de duas léguas de mineiro. E valeu-lhe a frase, pois o feliz historiador recebeu de presente o aludido documento.
Para que se afez ao manuseio de jornais, panfletos e papeis desse tempo, não é novidade o que para os “leigos” é uma revelação – “Pedro I foi jornalista”.
O primeiro Imperador apreciava doidamente as polêmicas jornalísticas. E mesmo as provocava, nelas se imiscuindo com o pseudônimo de “Ultra-Brasileiro” e “P. Patriota”.

O “Diário Fluminense”, que tão importante papel representou no fim da 3ª década do século passado na política brasileira, tendo como testa de ferro o português João Loureiro, foi a sua arena de gladiador primitivo.
O famoso primogênito carlotino escrevia mal, léxica e sintaticamente, mas o que escrevia passava pelo “crivo” de outros mais sabidos, geralmente os seus secretários ou o redator do jornal onde colaborava. Muitas vezes o imperante empregava termos e frases com acentuados laivos de grosseria, e, arrependido, logo depois se retratava. Haja vista a proclamação de 12 de novembro de 1822, por ele redigida, em que se vê um qualificativo grosseiro referente a José Bonifácio, então fora das graças imperiais. Caindo em si, advertido pela esposa, no dia seguinte subscreveu novo manifesto, desta vez em forma de explicação, retratando-se com restrições esquisitas.
O jornal “Diário Fluminense”, que era de sua propriedade, apresenta artigos sabiamente da sua lavra. Nem segredo havia quanto ao dono de tais escritos, pois o Imperador era o primeiro a se vangloriar do que publicava.
José Loureiro, diretor ‘in-nomine” do “Diário Fluminense”, em carta já publicada por mim na íntegra e em parte pelo ilustre e distinto patrício Dr. Alberto Rangel, no livro “Marquês de Santo”, proclamava a colaboração literário-política de Pedro I, no seguinte tópico:
“ Os únicos artigos que vieram no “Diário Fluminense” eram da pena do Imperador, que escreve com muita vanglória, e a miúde, e guarda um anônimo que se gaba.
Tal dizia em carta de 24 de novembro de 1828.
O Ministro da Áustria, Barão Daiser Sylbach, conta em uma de suas cartas ao grande amigo de chancelaria de Viena, Príncipe Lichnowski, que Pedro I ia publicar uma “Memórias”, cuidadosamente corrigidas pelo Oyenhausen ( Marquês de Olinda ), comunicava-lhe que se não magoasse com a publicação, em “Memórias” do incidente de 1823, entre ele e Pedro I, pois sua Majestade, contando o fato, evidenciava arrependimento, e fazia justiça ao caráter e coragem de Olinda.
Maler, Coronel do exército francês, e Ministro da França no Rio de Janeiro, há um século, informava que Pedro I escrevera um artigo de refutação ou polêmica, respondendo ao Dr. Carvalho (Marquês de Monte Alegre), e outros sobre política, fazendo propaganda da aproximação de Portugal e Brasil, tudo isso subscrito com o pseudônimo de “Ultra-Brasileiro.”
Joaquim Gonçalves Ledo, em suas “Memórias Políticas da Independência”, manuscrito que deverá vir a lume em Setembro de 1922, publicado pelo possuidor, que o adquiriu em 1916 do Sr. Alexandrino de Souza Ledo, sobrinho-neto do grande tribuno, conta:
“Pedro I ultimamente dera para escrever composições literárias e musicais, fazendo traslados de música para presentear as senhoras de suas relações, e artigos políticos para os jornais, notadamente o seu jornal “Correio Fluminense”, do qual era testa de ferro o João Loureiro. Ainda mais publicara panfletos em que surgiam episódios familiares e políticos que jamais deveriam vir a público. Conhecendo-o bem, e sabendo que fatalmente teríamos de desavir, numa desavença em que eu levaria “desvantagem”, como sucedeu ao Dr. Pedro de Araujo Lima, que foi por ele agredido em 1823, por ter recusado o lugar do Dr. José Bonifácio de Andrada, caído em desgraça, pois não concordava com as perseguições que se lhe moviam no Paço, duas vezes convidado, para Ministro, duas vezes com a maior diplomacia agradeci a honra e recusei. Desse homem que me perseguia e me obrigara a trabalhar, exilado, longe de minha pátria, em país hostil ao meu; que como o Ministro fizera a espoliação de minha cadeira de deputado pelo Rio; que me condenara à morte, concordando com o aviso secreto de seu Ministro em 3 de novembro de 1823, pelo qual eu deveria ser agarrado “vivo ou morto”; desse homem que traíra a Maçonaria, jurando-lhe fazer um Império Constitucional, cheio de liberdades como a Inglaterra, e hipocritamente sancionou uma “Carta Constitucional” que só existiu em nome, pois seu governo foi “absoluto” como o da Rússia; desse nunca receberia “benemerência ou títulos”. E ai está porque sempre recusei as graças e honras que me ofereceu: o lugar de ministro, o título de Marquês, a Ordem da Rosa. Isso não me impediu de, como Deputado, defende-lo duas vezes quando atacado injustamente na Câmara; da mesma forma que o defendia quando era justo, atacava-o quando injusto. O que fui, não o devi a ele e sim ao povo. Eleito Deputado pelo Rio, insultaram, ele e o Ministro, a vontade popular, exilando-me; isso não impediu que eu fosse eleito outra vez pelo grande povo fluminense, que se não curva nem abaixa à vontade de Príncipes e Ministros. Deputado, fui quantas vezes os meus patrícios o quiseram; áulico, nunca o quis ser. Quem fez a propaganda da República em 1820, nas reuniões secretas da Maçonaria, admitiria, como admiti, uma monarquia liberal, não despótica, como foi a de D. Pedro I. Se esse monarca teve boas intenções, o seu governo não passou dai: mas não são de boas intenções e sim de bons atos que se fazem os bons governos.”
Amostra do jornalismo de D. Pedro I é o artigo seguinte; impresso na oficina do “Diário Fluminense”, inserto no folheto “A Voz da Verdade”, com pseudônimo de “P. Ultra-Patriota”:
“ O Imperador tem muita paciência com toda essa gente. Ele tem feito tudo pelo Brasil e o Brasil nada tem feito por ele. O que significa dessa oposição, ó fluminenses ? Sossego, ó Brasileiros, que os lobos vestidos de cordeiros, os anarquistas republicanos, querem turvar as águas para devorar os inocentes. Perdestes a razão ? Onde estais que não vedes a loucura de falar de vosso Imperador ? Ele é justo e defensor dos fracos e amigo dos amigos. Ingratos ! Quem fez a vossa Independência ? Falais em Maçonaria ? Mas ela conspirou até 1822 sem poder fazer nada, e se quis alguma coisa foi preciso recorrer a D. Pedro, e sem ele nada se faria. Quem fez a Assembleia Constituinte ? Foi o Imperador D. Pedro, contra a vontade dos seus próprios ministros e de seu próprio pai. Nem a Maçonaria, nem o Ledo, nem o Clemente, nem o Andrada, nem ninguém seria capaz de fazer o que o Imperador, que é brasileiro de coração, sinceramente, quis fazer. Se ele quisesse ainda eras o que fostes. A Maçonaria sem D. Pedro era o Nada. Ó fluminenses, ó Brasileiros patriotas, rememorai e vereis a verdade, que anarquistas, republicanos, perversos e retógrados, pretendam agora esconder, conspirando em conventículos malditos por Deus e pela lei nas desoras da noite. Se acompanhardes esses lobos ó Brasileiros, não conteis mais com o Imperador.
Lá do outro lado do mar, há um glorioso povo que muito o quer e que muito o chama. E se o perderdes, e se ele partir, ai ! do Brasil nas garras dos anarquistas republicanos. Pobre Brasil ! É tempo de ter juízo.”
Ai ficou a amostra de Pedro I, o jornalista. Outra, é este passo subscrito por “P. Patriota”, pseudônimo imperial:
“ Quem poupa os inimigos nas mãos lhe morre”. Ai estão os Andradas, com o velho “sábio” na frente, cuidado com este, fluminenses ! Ele não fez a Independência, como vivem a bazofiar os seus amigos.
Foi o Imperador, com Ledo e o Clemente da Maçonaria, foi o Grande Oriente do qual ele, depois de ter sido Grão Mestre, foi inimigo. O velho Andrada acompanhou a onda. D. Pedro perdoo-lhe. Ele veio, a agitação começou, o mar está bravo, mas se fizer conspiração como em 1823, a lei e o Imperador, serão inexoráveis, sem piedade para “Ninguém.”
Era, como se vê, um grito de medo pelo retorno de José Bonifácio à pátria amada. Mais tarde, o Andrada conspirou, porém em favor de D. Pedro I. Nessa ocasião o conspirador era o padre Feijó.
Algum tempo depois de ter chegado ao Brasil, Bonifácio, à noite, em companhia de seus amigos Vasconcelos, Belchior e Rocha Filho, discutiam literatura na cada do primeiro deles, em que se hospedara o sábio Andrada. Pedro I, recebendo uma denúncia anônima de que se conspirava em casa de Vasconcelos, cercou o prédio, à frente de 10 homens de sua guarda.
Furioso, entre injúrias e exclamações, mandou prender os presentes, arrecadando uma pasta de papeis que supunha serem a correspondência e os projetos conspiradores. De repente, o seu capanga “Chalaça” fixou os olhos num grande armário, chamando a atenção do Imperador para esse móvel:
– “ Que ali tinha algo de importância, pois Vasconcelos, aflito, não despregava os olhos do armário.”
Todos se precipitaram para lá, trêmulos de emoção. Seria certamente o “arquivo” completo dos conspiradores ou então algum dos cabeças que ali se ocultara ?
“Chalaça” entreabriu o armário e recuou subitamente, deixando a porta semi-cerrada.
– “Que era gente, o chefe, talvez um militar. Vira bem a farda e o boné”.
Foi um reboliço. Pedro I, de espada em punho, avançou intimoratamente:
– “ Que se rendesse o rebelde, o anarquista, pois quem falava era o Imperador. Que saísse já e já.”
Recuou. Os companheiros, de espada ou pistola em punho, esperaram a saída do provável “brigadeiro – conspirador”.
Então o armário se moveu, as portas se abriram, e um pequeno vulto saltou para fora: trêmula, com as pernas molhadas de água, olhos esbugalhados, gaguejante, uma pretinha balbuciou:
– “ Ah ! Sinhôzinho Vasconcelos, vou morrer… espetada.”
E rolou no chão pelo chão, aos soluços.
Era uma pequena escrava do dono da casa.
Estrondou uma gargalhada homérica. Pedro I, de mãos na barriga, congestionado, lacrimoso, riu-se com estardalhaço, riu-se com esse riso português que se assemelha ao ribombar das trovoadas tropicais.
Deixando em paz os pséudos conspiradores, ele mesmo contou o caso num “artiguete” humorístico, publicado cinco dias depois, com a assinatura de “Ultra-Brasileiro”. E procurando ridicularizar, nesse artigo, o sábio Andrada, terminava assim:
– “O Intendente da Polícia está satisfeito: provou ao Imperador que os conspiradores, inclusive o “Grande sábio das Arábias”, não conspirou mais, como antigamente, como o “bode preto”: o símbolo agora, é uma “bodinha preta.
Fonte:
Boletim do Grande Oriente do Brasil, Maio de 1922, pags. 331/335.
Pesquisa: Helio P. Leite

 

Fonte: JB News

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