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As lágrimas que não secam

Perder alguém querido é algo quase impossível de ser ensinado. Na escola da vida, até o melhor professor do mundo dá dois passos para trás nessa aula. Há uma humildade silenciosa em relação ao tema. Há um amargo que se aloja na garganta. Há um limite misterioso desse conhecimento. Ainda que estudemos à beça, nada sabemos sobre o fim.

Do outro lado do quadro negro, ninguém quer assistir à explicação. Conversamos com o colega ao lado. Rabiscamos qualquer coisa no caderno pautado. Pedimos para ir ao bebedouro tomar uma água. Causamos até sermos expulsos da sala. Cada um evita essa lição como pode. Afinal, ninguém em sã consciência quer sentir a dor na pele. Ninguém quer o arrepio na espinha nem o embrulho no estômago. Ninguém quer receber a ligação que faz você sentar. Ninguém quer levar essa puxada de tapete de doer os músculos da alma. Não, nenhum de nós quer acordar nesse dia em que nosso mundo para e descobrimos que os que amamos não são eternos.

Cada morte é uma tragédia na vida de quem fica. Tipo um tsunami. Um terremoto. Uma avalanche. Um cataclisma. São catástrofes de proporções emocionais devastadoras. Para quem ama, não há fim menos doloroso. Inventamos justificativas reconfortantes, mas não já isso de alívio depois que alguém se vai. Se foi jovem. Se foi idoso. SE foi de repente. Se foi depois de muito tempo preso a um leito do hospital. Estava aqui até há pouco e não está mais. Sobra um oceano de saudade, dói e ponto final. Há um luto que precisa ser vivida. E um olhar que boia de tão tonto tentando processar o outro lado da vida.

Podemos perder no jogo do tabuleiro. Podemos perder o campeonato. Podemos perder a briga. Mas não sabemos como perder quem amamos.  Não desenvolvemos essa habilidade. A humanidade passa por isso há séculos e ainda não aprendeu a morrer. Porque a saudade de quem fica é uma lágrima que não seca. É uma trilha sonora presente em todos os momentos. É um vazio que ninguém preenche. É uma vontade de ter tido mais tempo. Sim, a saudade é um pé meio manco porque falta aquele alguém para equilibrar nosso infinito particular. Leva um tempo até reaprendermos a caminhar. Leva um tempo até reinventarmos a comunicação com o invisível.

Quando tragédias como a do avião da Chapecoense acontecem, nós caímos juntos no chão. Nós nos estrilhaçamos na incompreensão. Nós nos vemos diante do velho clichê de que o agora é tudo que temos para viver. Porque é. Uma hora aqui, outra hora pluft. Sem aviso. Sem delicadeza. Sem despedida. Precisamos cravar os pés no hoje. Chega de lembrar que a vida é valiosa e está por um fio só quando alguém se vai.l Abraçar bem apertado em vida. Desejar em vida. Beijar em vida. Amar em vida. Perdoar em vida. Para que essas memórias bonitas fiquem guardadas dentro da gente para sempre. Para que essas memórias maravilhosas fiquem guardadas dentro dos que fizeram a passagem antes de nós. Para que as histórias que vivemos juntos nunca sequem.

Thais Ferreira Gattás

thaisferreiragattas@gmail.com

Publicado originalmente no “Notícias do Dia”.

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